“E já viu mulher descansar?” ela me pergunta, com marcas profundas embaixo dos olhos, apoiada no pé esquerdo pois machucou o direito e está com uma ferida extensa, em processo de cicatrização. Me entrega as duas caixas de morango, como de praxe, e me agradece pela água, se preparando para andar mais um pouco sob o sol, vendendo suas frutas. Sorrio, triste, e respondo que não, realmente nunca vi uma mulher descansar.
Pelo menos, nenhuma mulher real, do meu mundo real, ao passo que eu mesma tento quebrar esse ciclo e me forçar ao descanso, sendo acometida por crises de culpa e ansiedade a cada pausa para assistir um episódio de série. Até mesmo a leitura, minha coisa favorita na vida, acaba reservada para um momento “útil”: o único momento em que realmente sento para ler é quando faço cardio na bicicleta da academia do prédio (minha maior motivação para esse cardio é saber que lerei por 33 minutos ininterruptos, uma delícia!)
Minha mãe, com sua mania de querer agradar todo mundo e carregar o mundo nas costas. Minha vó, que tem certeza que é a única pessoa no mundo que faz determinadas coisas direito e faz questão de fazê-las, mesmo que as atividades exijam se dependurar por aí para alcançar lugares altos. Minha amiga irmã/irmã, com seus dois ou três ou quatro empregos. Minha melhor amiga, que é mãe, esposa, provedora e também tem seus vários empregos. Eu mesma, com meus empregos, minhas atividades extras, o apartamento que demorei quase 5 anos para admitir que não dou conta de manter limpo (e finalmente tive condições financeiras de contratar ajuda) e a sensação universal de que não faço o suficiente.
A dona Viviane dos morangos, andando pelo centro de chinelo com seu machucado no pé, é uma representação quase gráfica desse “ser mulher” atual (na real, acho que sempre foi assim né?) Nem sempre nossas feridas estão visíveis desta forma, é claro. E cada uma de nós sabe onde dói. Mesmo assim, todas seguimos.
Não queremos ganhar flores, nem parabéns. Queremos ganhar descanso, tranquilidade, sossego. Que alguém venda nossos morangos pelas ruas se machucarmos o pé. Que alguém além de nós se preocupe se as crianças estão limpas e alimentadas antes de dormir. Que possamos assistir um episódio de série inteiro sem sermos interrompidas por uma demanda doméstica. Que não nos cobrem corpo e rosto de 20 anos quando estivermos com 40, 50, 60… Queremos muitas coisas que nem preço tem.
Talvez o problema de tudo isso seja o capitalismo, que nos colocou nessa roda de hamster. E o patriarcado, que nos embutiu das maiores responsabilidades e nos deixou à frente do trabalho invisível. Eu nem sei.
Só sei que eu nem gosto de morango e toda semana compro os morangos da dona Viviane. São realmente os melhores.
Essa reflexão fez sentido por aí? Então que tal compartilhar com alguma amiga que também vai gostar de ler?
Ando pensando muito sobre hobbies…
E quero te convidar a pensar também.
Você tem algo que faz somente pelo prazer de fazer?
Pois eu não tenho.
Apesar de amar escrever, não consigo considerar um hobbie, é mais uma questão de sobrevivência. E parte da escrita é carregada de expectativas, como de qualquer aspirante a escritora.
Eu vejo pessoas pintando, fazendo cerâmica, desenhando, tricotando e acho lindo. Quem sabe eu arrume um hobbie e em breve venha contar sobre ele aqui. A dúvida fica: em que momento eu vou encaixar mais uma atividade na minha vida, SEM OR?
O que você sentiu ao ler esta reflexão? Deixe um comentário, tô doida pra saber!
Estou viciada em ler tudo que você escreve.
Pela primeira vez na vida estou tendo hobbies simplesmente por prazer, sem a sensação de produtividade (também amooo ler, mas no fundo tem um pouco da sensação de “trabalho”, porque sei que preciso fazer isso para escrever bem).
Me inscrevi nos cursos de teatro musical e fotografia no CEU perto de casa. É puxado, as aulas acabam às 22h. Chego bem cansada e, as vezes, até tenho vontade de faltar. Mas é surreal como dá uma recarga na energia. Me sinto mais feliz, bem humorada.. tem sido mágico!